A VÉSPERA

Por Breno Corrêa Filho
O apartamento do Gastalzinho na volta da Praça estava totalmente lotado, não saberia dizer o nome de todos, mas muitos rostos conhecidos.
Era a última reunião para os acertos finais antes da manifestação na Pc. do Direito que seria na manhã seguinte.
Já era de conhecimento de todos que se alguém tentasse falar seria preso imediatamente. Um grupo sugeriu que cancelassemos o evento, não vou citar nomes para não criar mais polêmica. Democráticamente fizemos uma votação e por grande maioria decidimos ir em frente.
Passamos então a discutir coisas práticas, como procederíamos ao chegar, quem iria se manifestar, lembro que o Gastalzinho iria abrir os trabalhos e a Flavinha iria falar sobre a "arte engajada", tinha mais gente inscrita para falar mas não recordo.
Mais tarde chega o Dr. João Carlos Gastal, como bom trabalhista, possivelmente vinha do restaurante Johnny's Drinks, na época na rua Voluntários entre Anchieta e Quinze, tradicional reduto do que se chamava "autênticos" do MDB.
Todos silenciaram para ouvir suas palavras de incentivo, coragem e experiência, foi um momento fantástico.
Antes de ir embora o Dr. Gastal melancolicamente olhou um relógio parado, que estava na parede da sala e comentou que depois que ele foi embora ninguem mais se importou em dar corda nele. Lembro que puxou uma cadeira, subiu, deu corda e acertou os ponteiros.
Ao decer da cadeira deixou cair de seu bolso um revolver, jamais esquecerei do Adãozinho pegando a arma pela alça de mira com o polegar e o indicador, e entregando ao dono dizendo: "O sr. deixou cair isso dr."
Bom, seguiu a noite agora com várias discusões paralelas, e alguém observou que os "fusquinhas" preto e branco da polícia rondavam a quadra.
Impressionante, olhando da janela do apartamento parecia um carrosel, eram vários andando em circulo em nossa volta.
Alguém sugeriu que ficassemos a noite toda lá, o que prontamente foi aceito. Iriámos na manhã seguinte direto para a Praça.
Um grupo foi para a cozinha fazer um carreteiro, outros cuidavam das bebidas, lembro do negão Claudiomiro com uma garrafa de uisque na mão, solenemente olhava para ela e repetia: "chivas, chivas..."
Esta experiência noturna foi narrada depois no Jornal O Que É, pelo Cavalheiro, acho que ele era jornalista, não lembro, nunca mais ouvi falar dele.
Na manhã seguinte saimos dois a dois, prática comum para evitar sumiços, e o resto já foi contado aqui, ninhos de metralhadora no telhado, guarnições acantonadas no quartel de bombeiros, eles também passaram a noite se organizando.

2 comentários:

  1. Eu estava presente nessa noite. Havia uma certa suspeita de uma pessoa estar infiltrada e que estava junto com a gente. Alguém lembra disso?
    Mesmo com medo fui dormir na pensão em que morava.
    Ao amanhecer, bem cedo por sinal, levantei e fui para a faculdade de Direito.
    No caminho fui encontrando outros companheiros e seguimos juntos. O suspeito vinha em sentido contrário e nos alertou que a polícia já estava lá.
    Isso aconteceu em maio de 1977. O resto é História...

    Paulo Potiguara

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  2. Estou postando como anônimo pois meus 2 e-mails não estão sendo aceitos.

    Paulo Potiguara

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